Por que razão a “liberdade tecnológica” deve reinar nas comunicações sem fios


Neste artigo, Ziad Dalloul (Presidente e CEO da Africell) e Bonnie Glick (Diretora do Krach Institute for Tech Diplomacy at Purdue) explicam a importância da existência de tecnologia confiável nas telecomunicações e noutros sectores emergentes.



Existem duas maneiras de pensar este conceito de “liberdade tecnológica”.


Uma é ter como foco a intenção e a capacidade. Nesta perspetiva, a liberdade tecnológica é aquela que não é concebida e que não pode ser facilmente utilizada para coagir, censurar ou oprimir. Outra abordagem é considerar a proveniência. A tecnologia proveniente de fontes com governança responsável e propriedade transparente é mais livre do que a tecnologia que se origina num ambiente mais opaco ou corrupto.


Em termos práticos, estas ideias equivalem a algo similar, porque a tecnologia com proveniência confiável tem tendência a ser mais benigna na sua aplicação.


A liberdade tecnológica importa, porque os direitos individuais, os mercados abertos, o Estado de direito e a democracia importam. A tecnologia confiável é o suporte para estas questões. A tecnologia não confiável, pelo contrário, entrega instrumentos de controlo a pretensos autoritários, o que é particularmente perigoso em lugares onde a democracia é frágil.


Dando um exemplo, em muitos países africanos, as instituições continuam a recuperar das guerras civis traumáticas que entraram em erupção após lutas pela independência nos anos 50 e 60. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento tecnológico em África tem ainda muito espaço para crescer. Os fornecedores com menor integridade têm uma clara oportunidade para entrar no mercado, colocando em risco a liberdade política, os mercados abertos e a democracia, o que é preocupante, porque, tal como observa a recente estratégia africana do governo norte-americano, África irá produzir um quarto da população mundial em 2050 e é em África que estão muitos dos recursos vitais da atividade económica da modernidade.


Na disputa mundial entre tecnologia livre e não-livre, os Estados Unidos da América e os seus Aliados têm sido até agora demasiado lentos ou reativos. Não adotaram ainda uma visão de longo prazo suficiente de “tecnologias profundas” transformacionais, tais como as comunicações sem fios 5G. Estas tecnologias têm benefícios potenciais, mas também necessitam de uma investigação inicial intensiva e oferecem, na melhor das hipóteses, um retorno distante. O investimento tem sido provisório. Além disso, até agora, a vontade política para tomar iniciativas tem sido limitada. Têm-se permitido que tecnologias problemáticas de outras partes do mundo antecipem os movimentos.


Mas esta situação está a mudar.


Existem sinais de que o governo dos EUA e seus Aliados estão a levar o assunto mais a sério. Nos últimos anos tem surgido legislação, têm sido promulgadas políticas e têm sido lançadas campanhas com o intuito de revitalizar uma competitividade aliada em campos como a rede 5G, os semicondutores e a Inteligência Artificial. Esta mudança criou um ambiente mais produtivo em empresas com mentalidade democrática e que procuram competir.


Fornecedores de tecnologias mais confiáveis estão agora ativos e disponíveis em indústrias em que a segurança e a confiança são primordiais.


Nas telecomunicações, por exemplo, os operadores têm aumentado o acesso a equipamentos de alta qualidade, a preços acessíveis e politicamente descomprometidos. Durante muitos anos não houve fornecedores viáveis dos EUA ou dos seus Aliados com equipamentos de infraestruturas de rede de telecomunicações sem fios, sobretudo nos mercados emergentes. Os operadores que tentavam criar as redes 4G e 5G em grande parte de África confiavam nos fornecedores chineses, com os riscos inerentes à segurança pessoal e nacional. A correção deste desequilíbrio é bem-vindo a quem tenha interesse numa África aberta, democrática e conectada.


Para que esta mudança se torne permanente, têm de acontecer 3 coisas:


Primeiro, devem continuar os avanços na capacidade de fabrico dos Estados Unidos da América e países Aliados. Se um canal de pesquisa e desenvolvimento incipiente não fluir diretamente numa base industrial otimizada para produzir tecnologias futuras em escala, então qualquer ideia inovadora e interessante poderá dar em nada.


Segundo, as necessidades de financiamento têm de estar disponíveis para que as empresas possam justificar o investimento em tecnologia confiável. Em alguns campos, como na conectividade 5G, os equipamentos vindos da China são tipicamente os mais baratos do mercado. Mas uma imagem mais ampla é clara: os equipamentos vindos da Europa e da América do Norte são significativamente mais seguros. Os governos e as instituições financeiras têm de apoiar as empresas que se encontram com este dilema, garantindo que possam tomar as decisões certas a longo termo.


Finalmente, tem de se melhorar a educação. As forças de trabalho com experiência em tecnologia são um baluarte contra o avanço da tecnologia prejudicial. Podem exigir transparência e elevar as empresas e os governos a padrões mais elevados, o que é especialmente verdade em África, onde a tecnologia é quase sempre importada. Os cidadãos africanos sentir-se-ão mais seguros e mais capacitados se perceberem as implicações das escolhas feitas pelos seus líderes nacionais e podem mesmo torná-los mais responsáveis.


O tempo de agir é agora.


É fácil imaginar um mundo em que os sistemas tecnológicos concebidos e feitos na China dominem os setores críticos – não apenas as Telecomunicações, mas também a Informática, a Inteligência Artificial, a Biotecnologia, as Energias Limpas, e muito mais. Nesse cenário, os direitos civis em todo o mundo irão ficar sob pressão, o Estado de Direito irá ceder e o progresso em assuntos internacionais, como as alterações climáticas, irá vacilar, o que não é desejável nem é, felizmente, inevitável. Que se permita que a liberdade tecnológica seja o grito de guerra.


Ziad Dalloul é o fundador, Presidente e CEO da Africell.

Bonnie Glick é Diretora do Krach Institute for Tech Diplomacy at Purdue. Como Administradora-Adjunta da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional entre 2019-2020, Glick foi Deputada para todas as políticas dos EUA e Diretora de Operações da Agência. São de destacar entre as suas ações, a transformação digital, a importância da rede 5G como prioridade para o desenvolvimento em mercados emergentes, o empenho no sector privado, democracia e governança, distribuição global de vacinas, e segurança alimentar.


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